Hoje é o sétimo dia que não saio de casa. Salvo, se quiser considerar, que no sábado levei o lixo na lixeira do andar, desci e subi pela escada ao ir à portaria buscar uns livros que chegaram. Uma parte do meu “Kit Quarentena”.
Estamos aqui. Em reclusão. Falando com os outros filhos e os netos pelo watsapp. Íamos para a casa da Fê, mas ficamos com tantas dúvidas e receios, que resolvemos ficar essa semana por aqui. Na nossa arca de Noé de 30m².
Para Gabi, já era o oitavo dia sem sair de casa.
Tentamos imprimir uma rotina para estabilizar nossas almas. Com momentos para orar, meditar, ler, escrever, fazer as arrumações da casa, a alimentação, exercícios, alongamentos e, à noite, assistir um ou dois capítulos de alguma série e rir um pouco com certos posts. Não podemos assistir todos os noticiários que falam sobre o Covid19, se quisermos manter nossa sanidade.
Hoje, Gabi precisava pegar a receita de um remédio. Tudo bem, dava para esperar mais uns dias. Mas nossas frutas estavam no fim. Nossas verduras também. Então, lá foi ela aventurar-se pelo mundo fora de nossa protegida arca.
Vestiu-se de calça jeans, camiseta, blusa de manga comprida. Nada de brincos, anéis ou qualquer outro acessório. Quis que ela fosse de capa de chuva. Ela apenas levou a sombrinha. Despedimo-nos com um abraço e um beijo. Podemos. Estamos apenas nós duas em nossa arca.
Ela foi. Eu fiquei. Penso no inimigo invisível que está enfrentando. Queria tê-la enrolado com aquele plástico que tem nos aeroportos. Como enfrentará essa saída? O que ficará pensando enquanto está na rua?
Termino de fazer o almoço. Arrumar a cozinha.
Ela demora. Resolvo almoçar.
Quando estamos as duas juntas, há muitos momentos de silêncio. Cada uma em um cômodo de nossa pequena arca, com suas leituras e escritas. Mas sabemos que estamos à distância de um braço da outra. De um grito. Um suspiro.
Agora, como há muito tempo não me sentia, estou sozinha. Parece que foi à rua há dias. Sua demora traz um nó no meu pescoço. Sinto-me fraca. Resolvo almoçar.
Ligo a televisão. Sento no sofá. Tento me distrair com uma etapa do campeonato de Surf. A comida está uma maravilha, uma delícia como gosto de dizer e alguns implicam. Mas é horrível estar sozinha. Oro quase que o tempo inteiro por ela. Que as ruas estejam vazias. O consultório médico. A farmácia. O mercado. A portaria. O elevador.
Deixei tudo preparado para sua chegada. Lavar tudo que puder ser lavado. Passar álcool em gel em tudo que não puder. E até a porta da máquina de lavar, aberta.
Parece que estamos vivendo um filme fatalista. “Senhor”, penso, “essa sou eu”? A mesma pessoa que acabou de animar uma amiga para não ficar ansiosa?
Falo com a Fê no celular. Ela diz que precisa ir ao mercado. Digo que não. O Danilo vai. Ela está no grupo de risco. Instruo a que ele, quando chegar, tire a roupa à porta de casa e corra para o banheiro. E que ela limpe absolutamente tudo que chegar da rua.
Finalmente a campainha toca. Abro a porta. Tenho vontade de abraçá-la. Não posso. Estendo a mão com uma luva de plástico improvisada e entrego o lixo para ser levado, enquanto recolho as sacolas de compras. Fazemos tudo rapidamente. Em sincronia. Num piscar de olhos.
Deixo o álcool em gel na porta. Do lado de fora. Ela volta. Limpa as mãos. Deixa o sapato à porta. Como combinamos. Tira a roupa. Coloca na máquina de lavar. E corre para o chuveiro.
Eu, estou agindo como uma louca. Na maior velocidade. Limpo o pote do álcool em gel. Tiro todos as sacolas. Lavo todas as frutas e verduras. Uma a uma. Com esponja e detergente. Lavo as embalagens dos produtos. Limpo os lugares onde qualquer coisa que veio da rua tenha encostado.
Meu Deus, pela primeira vez na minha vida, tenho compaixão dos neuróticos por limpeza e “desinfectações”. Como uma pessoa consegue sobreviver a uma neura dessas? Não entendo. Não conseguiria.
Faço as limpezas e guardo tudo com uma rapidez tal que pareço estar atrasada para pegar um voo. Meu coração está acelerado. Meus braços pinicam. É como se um milhão de bichinhos (além do normal) estivessem andando pelos meus braços.
Troco de chinelo. Levo as sacolas das compras no lixo. Não sei se posso usá-las e, na dúvida, prefiro eliminá-las.
Volto. Deixo o chinelo à porta. Passo álcool no chão onde as sacolas ficaram.
Penso que se fosse neurótica, com toda certeza, teria morrido há muito tempo. Dou graças ao Senhor por ser uma pessoa calma. Calma já estou assim, imagina se fosse diferente?
Gabi sai do banho. Já desinfetei até o cinto e os óculos dela. Meu Senhor, passei álcool em gel até nas notinhas do mercado e da farmácia.
Tiro minha roupa. Coloco na máquina de lavar. Corro para o chuveiro. Entro debaixo da água com meus óculos, que lavo meticulosamente. Estou tomando banho correndo. Pensando em toda essa loucura. Vários filmes passam pela minha cabeça. Filmes como “Teoria da Conspiração”, “Os Doze Macacos” e “Eu sou a Lenda”.
Lembro que não preciso mais correr. Será que antes precisava? Estava disputando uma corrida com o coronavírus? Não sei. Fiz as coisas tão rápido que daria inveja até na Vó Lourdes.
Desacelero. Tomo meu banho com tranquilidade. Desfruto dele.
Penso que preciso escrever sobre isso. Preciso dizer às pessoas que é um tempo difícil. Que os temores vêm mas, como Davi, precisamos dizer à nossa alma, gritar até, se for preciso que “Quando eu tiver medo, confiarei em ti” (Salmo 56.3). E ir além, como Davi foi, no versículo seguinte “Louvo a Deus por Suas promessas, confio em Deus e não temerei, ...”
É certo que fala de homens. Hoje, nosso inimigo é invisível. Mas, na maioria das vezes, não é um inimigo invisível e real que enfrentamos?
Sim. Todos os dias, em tempo de paz ou guerra. De abraçar ou deixar de abraçar. É um inimigo invisível e real que enfrentamos. E, só um lugar onde encontro descanso. Onde se pode encontrar descanso. Há apenas um. Melhor que minha pequena arca. O abrigo do Altíssimo.
Sim, porque “Aquele que habita no abrigo do Altíssimo encontrará descanso à sombra do Todo-Poderoso. Isto eu declaro a respeito do Senhor: Ele é meu refúgio, meu lugar seguro, Ele é meu Deus e nEle confio. Pois Ele o livrará das armadilhas da vida e o protegerá de doenças mortais”. – Salmo 91.1-3
Estou tão cansada que preciso deitar uns minutinhos. Ordeno que minha alma se aquiete. https://www.youtube.com/watch?v=ANfpF0pNob4
Tenho que levantar e contar a você que sim, o medo vem, mas quando vier, precisamos confiar no Senhor. Dia após dia. Como o Paulo César Baruk canta: “...Dia após dia. Até que venha sobre minha casa o teu socorro...” https://www.youtube.com/watch?v=0EFK9_dMq4A
E Ele virá. É certo. E o livrará.
“O Senhor salva os justos; Ele é sua fortaleza em tempos de aflição”. – Salmo 37.39
Esperemos, pois, com paciência no Senhor.
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