E ontem foi assim.
Estamos no Hospital.
Mamãe não quer comer. Perdeu o gosto pela comida. Não sente mais fome. Perdeu peso. Precisa colocar GTT.
É a única solução.
E assino um documento me responsabilizando pela sua vida. Eu, sua filha.
Como é difícil decidir por alguém.
Esperamos que ela recupere ao menos o gosto de comer alguma coisa. Que consiga comer com prazer. Mas não sabemos.
As garras do Alzheimer são afiadas e talvez ela nunca mais queira comer.
Uma vez fui em uma consulta com ela. O médico perguntou se sentia alguma coisa. Ela respondeu: “Muita fome”.
Mas a vida muda. De maneira inesperada. E radical.
Então minha filha chega. Ela quer estar com a avó quando ela for para o Centro Cirúrgico.
Veio com as filhas.
Ah, netos são como gotas doces de alegria. Melhor que tudo.
Minha filha ficou com a mamãe.
Fico sentada na recepção por um tempo, assistindo A Patrulha Canina, com a mais nova. Ela sabe todas as cenas. E ficamos as duas ali, rindo.
Então, chamo-as para almoçar.
A mais velha quase pulou, mas a idade não permite. Então, discretamente colocou a mão na barriga e disse que estava com muita fome.
A outra, mais nova, três anos, pulou de alegria.
Sua alegria maior que o normal. Mostrou seu sapato dourado. "Foi papai quem deu". Estava limpinho. Tinha lavado. O short de estrelas douradas. "Vovó quem deu". Que combina com o sapato. E sua camiseta de gatinho.
Fiquei pensando em como é maravilhoso decidir apenas a roupa que precisamos vestir. E nada mais.
Enquanto esperávamos a mais velha buscar minha bolsa no quarto, a mais nova viu bolas nas nuvens, árvores pequeninas e as grades na calçada, que servem para a água da chuva escoar.
Ela, curiosa, perguntou para que servia aquele buraco.
Quando criança eu era assim. Ainda sou. Gosto de perguntas. Porque gosto de respostas. Gosto de conhecimento.
Expliquei que era para água da chuva cair.
Ela me contou, com os olhos brilhando como só os de uma criança brilham, que ela e a mãe tinham tomado banho de chuva. A água estava gelada. E elas tomaram banho DE ROUPA. Ela riu com a lembrança.
Foi até mais perto, olhou e disse que o buraco era bem fundo. Não era, mas não a contrariei. Para o tamanho dela era sim.
Quando a irmã chegou, contou sobre a grade e o buraco. E para que servia. Ah, como é bom o conhecimento!
Fomos pela rua. Ela, numa alegria, numa felicidade enorme.
É tão fácil e simples ser feliz quando se é criança. É preciso tão pouco.
Do outro lado da rua, viu a fachada de um buffet que era a Arca de Noé, lotada de animais.
Ela gritava, e sorria. "Vovó eu gosto muito de bichinhos. Olha, vovó os bichinhos. Eu gosto muito."
Ela andava pela rua saltitando. Vendo, enxergando tudo. Dando tchau para o caminhão. Querendo ver o buraco que tinha em frente à Caesb. Vendo as árvores, as motos, os carros.
Era tanta alegria que as gotas doces pulavam em cima de mim. Fechei meu guarda-chuva e bebi daquela água. Daquela doçura. Daquela alegria.
Então, vi a passarela à frente.
Não sei você, eu tive medo de passarela até meus quarenta anos.
Tenho aprendido que temos que vencer nossos medos, de uma forma ou de outra. Enfrentá-los.
http://www.espalhandoasemente.com/2015/10/sr-ressonancia-magnetica.html
http://www.espalhandoasemente.com/2016/06/golias-e-vencido.html
Não sei se ela já havia atravessado uma passarela. Tudo que eu queria era que fosse uma experiência que não lhe desse medo.
Somos nós que instauramos o medo nas crianças.
Mostrei onde íamos almoçar e perguntei como íamos até lá. Fui subindo a passarela. Fomos andando rápido. Ela sorrindo, alegre. E dizia, rindo: “Vovó eu tô zonza, vovó eu tô tonta.” Mas fomos subindo. Continuou andando. Sem se importar com a altura. Quando chegamos no meio, mostrei para ela os ônibus e os carros. Ela estava fascinada.
O sapatinho dela soltou. Ela se abaixou para arrumar. Soltou minha mão. Uma moto fez um barulhão. Ela levou um susto. Me deu a mão e só.
Ia começar a descida.
Falei para ela que nós não podíamos nos soltar, senão iríamos rolar igual uma batatinha. Ela não sorria mais. Ela gargalhava. Descia rapidinho. E gargalhava.
Aquelas gargalhadas me encharcaram. Abri a boca e bebi delas. Gotas doces de alegria.
A mais velha disse que estávamos parecendo duas doidas. E nós duas só ríamos. Enquanto ela gargalhava, eu bebia suas gotas.
Lembrei que havia feito parecido com a mais velha. Agora era a vez da mais nova. A mais velha é a doçura em pessoa. Sempre.
O olhar de uma criança sorrindo é simplesmente maravilhoso. Gotas de felicidade caindo sobre mim. Sem que eu precisasse fazer nada. Eu abria a boca e engolia. Tudo. Queria ser completamente encharcada com aquelas gotas deliciosas.
Quando chegamos lá embaixo ela ria, ria, e ria. Estava cansada. De tanto rir. Ah, que cansaço delicioso.
Almoçamos. Quando veio o prato e ela viu a batatinha frita, gritou: Olha vovó. Igual a batatinha rolando, igual batatinha.”
E ria, ria, ria. Era a personificação da alegria, da felicidade.
Como é bom ser criança. Quero ser para sempre.
Almoçamos. Ela come igual a um passarinho. Falei para ela comer tudo para ficar forte e não rolar da passarela igual batatinha. Cada vez que eu falava, era motivo dela gargalhar.
Fomos para a passarela. Primeiro a subida. E ela: “Vovó, eu tô zonza, vovó eu tô tonta.” Falava e ria.
Quando chegamos em cima, olhou tudo lá de cima.
Chegou a hora de descer. “Vovó a gente vai rolar igual batatinha.”
Pedi à mais velha que desse a outra mão para ela. Estava tão cansada que realmente tive medo da felicidade dela fazer a gente rolar mesmo, igual batatinha.
Fomos descendo. As três de mãos dadas e rindo. Ela descendo e gritando. Aquela alegria, aquela felicidade. Ela foi descendo e gargalhando, falando que íamos rolar igual batatinha.
Depois que descemos, continuou curtindo o caminho. Passamos pelo buraco que eu havia mostrado. Ela quis ver de novo. Peguei no colo para ela ver. Depois, continuou andando.
Percebi que estava muito cansado. Foi muita energia gasta naquela felicidade toda que me encharcou.
Perguntei se estava cansada. Disse que sim. Mas não pediu "colinho". Perguntei se ela queria. Disse que sim. Mas não aguentei. Dei uns dois passos. Ela desceu, obedecendo à irmã, sem reclamar.
Quando chegamos na calçada do hospital, quis ir por cima da grade, olhando tudo lá embaixo. Sem medo.
Até bem pouco tempo, eu também não tinha coragem de passar por ali.
Quando chegamos ao hospital, me deu um abraço tão carinhoso e um beijo tão gostoso, que suspirei. Eu disse: “Ai que delícia”. E ela me abraçou mais e mais apertado. Várias vezes.
Depois pegou minha mão, me levou para a frente da calçada para dançarmos.
Eu, adulta, quebrei o encanto. Falei que não tinha música.
Que insensibilidade a minha. Existe música sim. Está em nossas almas.
Felizmente ela não acreditou em mim. E dançou assim mesmo. Até ficarmos tontas.
Netos, gotas doces de vida.
A GTT foi um sucesso.
Hoje pude ir para casa descansar. Minha outra filha ficou no hospital.
Cheguei em casa, tomei um banho daqueles, cantando com os Quatro e Meia.
https://www.youtube.com/watch?v=a4VMX0q-yQ4
Coloquei meu melhor sorriso e voltei ao hospital.
A vida é assim. Deus, o maravilhoso Senhor, sempre nos dá um refrigério.
Gotas doces de vida e alegria. Que podem vir de várias maneiras.
Logo estaremos em casa.
Uma nova rotina. Sobrevida.
Vida.
E veremos mamãe sorrir novamente.
O Senhor é bom. Sempre.
https://www.youtube.com/watch?v=c5U6FDoaCvQ
E meu coração continua cheio de alegres gotas de vida.
Ah, netos! Gostas doces de alegria.
Que lindo mãe, que a alegria dela inunde os nossos corações.
ResponderExcluirAmém. Sempre.
ResponderExcluirVocê é o máximo Sy . Sem palavras mas com meu coração cheio de amor e encantamento.
ResponderExcluirDeus te abençoe prima mais que amada.
Obrigada, querida. Amém.
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